quinta-feira, 21 de julho de 2011

Sou feliz com o meu nariz

(Por PaTTi Cruz)

Esta história começa com um nariz. Porque é ele que chega primeiro à página do livro. Um nariz longo e fininho. Não fosse assim tão longo, poderia ser o bico de um beija-flor. Logo atrás dele, olhos e boca não negam, é mesmo humano.
Mas, o nariz chega à página com uma gota bem molhada na ponta. É uma lágrima que conta da tristeza de seu dono: Joel. Que é alvo das maldades e ironias por causa, justamente, do tamanho do nariz.
Na página ao lado, sua vizinha quase não tem espaço para uma letrinha. É por causa de Anabel que é grandona e ocupa assim, logo duas folhas. Anabel parece aborrecida com os gracejos que ouve por conta de seu tamanho.
Na página seguinte mora Mário que aqui ninguém vai ver, pois é tão alto, o garoto, que faltou folha para cima, só deixando aparecer da cintura até seus pés. Deve estar gritando fora da página, incomodado com a situação, pois todos o chamam de “esticadão”.
Na página quatro tem Andila é suave e pequenina. Fica quase no fim da folha, não precisa mais do que isso para acomodar-se, pouco papel é suficiente. Mas, sofre também a menina, com as risadas e piadinhas por tão pequenininha.
Um dia de tantas e tantas páginas percorrerem, tentando se esconder dos olhares insensíveis caíram todos, ao mesmo tempo, em uma folha toda verdinha. Parecia relva! Então, depois da queda e do susto, resolveram sentar-se. Foi neste momento em que todos se olharam. Viram tantas diferenças que não estavam nem acreditando. Tem mais gente diferente e eu aqui chorando!! Disse Joel, já recolhendo outra gota da ponta do nariz.
O que eles não sabiam é que na página verdinha, morava um Mago, que se chamava, Mago mesmo. Ele era baixo, de barbas longas, um olho de cada cor, falava quase sussurrando, sempre sorrindo. Mas, era estranho o Mago que morava neste lugar.
Atrás dele, feita de folhas e galhos secos, havia uma casa. Casa de mago, destas bem misteriosas. Cheirava a capim e flores, tinha uma mesa de madeira, e os bancos eram de pedra. Era tudo muito simples, mas bonito também. O Mago convidou-os para sentar e tomar um caldo que recém tinha fervido. O gosto era bom, mas curiosos se olharam, pois não sabiam do que era feito! Com certeza, devia ser uma receita secreta.
Nada perguntaram ao Mago e continuaram sorvendo o caldo....
Fizeram a refeição e em meio a conversas, todos contaram suas histórias e tristezas, por causa de suas aparências. Pediram ao Mago um feitiço! Uma solução! Mago olhou para cada um e circulou o olhar pela cabana a sua volta...pega logo um espelho e mostra para o grupo, dizendo: Este é um espelho especial, que nunca ninguém viu um igual. Não era um espelho que tivesse para vender em qualquer lugar, não adiantava nem procurar.
Quiseram saber sobre a história do espelho, que parecia tão fantástica. Mago conta aos meninos que gostava muito de conversar com todos os seres que habitavam a floresta, animais e plantas e outros mais que pudessem existir e aparecessem a sua frente. Disse a eles que todos estes seres, sem exceção, eram muito diferentes entre si e tinham características muito especiais e que a existência de cada um tinha uma finalidade de ser. Mago acreditava que não era em vão que eles faziam parte da natureza.
Falou do Sapo Largo do rio, que uma vez encontrou chorando em cima de uma pedra. O Sapo estava triste por que achava-se mais largo do que os outros de sua espécie e bem na hora que o Mago chega surge um grupo de rãzinhas querendo atravessar com pressa o rio, pois tinham um compromisso do outro lado da margem. Acreditavam que nunca chegariam a seus destinos. Eram ainda pequeninas e não tinham a destreza de nadar rápido. Queriam chegar todas juntinhas e, eram doze menininhas! O Sapo que era largo achou que poderia ajudar. Pediu as meninas que subissem em suas costas de sapo. Todas conseguiram se acomodar e, felizes, junto com o largo Sapo, puderam o rio atravessar. Assim, deste dia em diante, a margem do rio é a morada do Sapo, que teve seu nome acrescido da largura de sua bondade, passando a ser conhecido como o Sapo Largo do rio.
Falou também do pequeno Arién, um pássaro minúsculo que morava no interior do tronco da goiabeira. Tinha uma casa singela e um sorriso triste na ponta do bico. Mago conta que em uma noite quente, sentiu uma enorme vontade de comer goiaba e foi à floresta ver se encontrava. Chegando à goiabeira, estendeu o braço em direção a ponta do galho que sustentava uma goiaba bem suculenta e em seguida ouviu um solucinho e um chorinho, parecendo ser de um passarinho. E era mesmo!! O pequenino vendo que tinha visita, olha pela fresta da sua casa. Mago, com ternura diz para Arién que não sofra. O pequeno pássaro fala de seus outros amigos que são maiores e mais robustos, tem vôos belos e encantam o céu. Mago pede que ele deite e adormeça e que quando acordar no dia seguinte terá uma linda surpresa e saberá por que foi presenteado com este tamanho.
Passada a noite, à luz do sol chega. Arién desperta e encontra na floresta uma manhã especial. Naquele dia, ainda não sabia por que, sentia-se feliz e de certa forma mais confiante. Ao espreguiçar-se estica suas patinhas, sacode a cabeça, move seu pescoço e finalmente abre as asas e leva um susto! Percebe em si asas enormes que nunca antes tinha visto. Será que nunca havia se espreguiçado assim? Pensa Arién...
Corre para fora do tronco e abre suas asas imensas, voa para todos os lados, para o alto e de volta para baixo, percorre todas as árvores e flores em uma velocidade gigante! Vai a cabana do Mago em um segundo, contando a novidade. Mago, que era Mago, como todos sabem, apenas sorri, pois sabia já do fato, antes mesmo de existir. Diz ao pequeno que saberá em alguns dias de sua valiosa tarefa.
Passado um dia e um pouquinho, Arién o pequenininho vê muitas outras flores espalhadas na floresta, que nunca vira antes. Tinham pequenas e tinham grandes! De todas as cores e perfumes! Todas elas lhe sorriam e agradeciam com as pétalas a vida que ele lhes dera. Arién Vivaz, como passou a ser chamado, tinha descoberto sua tarefa, levar em suas grandes asas e vôos rápidos, muito mais pólens e sementes pela floresta e assim, criar novas cores e vidas todos os dias, por onde passasse.
Mago contou a história de Lisbela Acabrunhada, que chamou-se assim só por algum tempo. Era uma lagarta que se transformara numa linda borboleta. Contava ele, que Lisbela, não fora sempre bela...ela  viveu por algum tempo muito fechadinha e acabrunhada, numa pequena casa. Casca, casa - casa de casa. Não se sabe bem! Sabiam apenas que era por isso que tinha esse nome. Ali dentro, reservada, na sua aparência ainda estranha, aos olhos de alguns, permanecia bem quieta, não falava com ninguém. Parecia estar certa de que esperava pelo tempo em que “tudo” iria acontecer. E foi assim! Todos que passavam, olhavam aquele enroladinho preso num cantinho do galho do Carvalho. Alguns cutucavam e Lisbela fica muito chateada. Os dias na floresta seguiam, com sua vida tranqüila e colorida. Foi em uma tarde perfeita de sol, que sem que ao menos esperassem, os seres que habitavam a floresta e estavam em volta, viram uma das maravilhas mais, mais, mais...maravilhosas do mundo! Num romper de casca-casa vai surgindo uma beleza nunca vista...era ela a Lisbela que vinha para um diferente despertar. Seus olhinhos curiosos examinavam tudo e todos. E o mais impressionante foi quando as cores contrastantes de asas que se abriam começaram a aparecer. Lisbela flor em borboleta, desabrochava sua vida, para pequena e colorida a floresta enaltecer! E foi assim que Lisbela Bela, deixou a acabrunhada vida de lado, mostrando a todos que ali estavam, de boca aberta parados, que tudo tem um tempo para acontecer!

Com estas três histórias que ouviram os meninos ficaram encantados, mas queriam saber sobre o espelho que o Mago tinha na mão. Então, numa só sacudidela, o espelho que parecia pequeno, vai tomando outra forma. Transforma-se em uma capa, bem larga e toda espelhada. Mago a veste e pede que se aproximem, um de cada vez e diz que esta capa lhes mostrará os reflexos da verdade.
Joel é o primeiro que vai pertinho da capa do Mago. Quando Mago lhe pergunta o que vê na sua capa, o menino responde, vejo ainda só o meu nariz....Parecia desiludido, pois tinha a esperança de uma solução. O Mago, então com sua natural paciência, bondade e voz sussurrante, explica que a capa espelhada mostra os seres por inteiro e não só uma parte. E que, portanto, não pode apenas estar vendo um nariz que invade. Pede que observe bem, de olhos abertos e a mente livre de outras imagens que ele já tivesse construído. E assim Joel, fez. Encantado com o que via, Joel chorava e sorria. Não viu apenas o seu nariz, mas viu seus olhos, sua boca, seu rosto todo e assim seu corpo, viu por fora e viu por dentro, sua cabeça e seu peito. Viu seu coração que batia feliz e que era cheio de coisas boas e a sua mente que tinha idéias. Então Joel entendeu que ele era muito mais, muito mais do que sua aparência e que ela na verdade fazia parte das diferenças! Assim, como todos naquela floresta, ele tinha uma vida e uma tarefa. Talvez descobrisse mais tarde, mas agora, queria apenas ser feliz com seu nariz!
Depois de Joel foi Anabel que chegou e logo na primeira olhadela viu uma bela borboleta amarela. Não, ela não seria daqui uns dias uma borboleta como Lisbela, mas entendeu que o tempo poderia lhe mostrar coisas novas a serem descobertas e que a vida lhe fazia uma oferta, de ser feliz e ser liberta.
Mário chega perto, mas não muito certo de que pudesse se ver. Pensava que faltaria capa para mostra-lhe o que de fato viria a ser. Surpreende-se quando enfim olha, seu corpo inteiro e muito mais. Vê no espelho da capa um belo menino com um lindo destino.
E chega Andila sorridente, só assim já estava contente via que todos estavam felizes pelo que encontraram em seus reflexos. A pequena e doce menina chega bem pertinho de um pedacinho, mas o que vê é uma imagem de tamanha grandeza e imensa beleza. Sua pequena estatura era só um recanto, aconchegando o que de fato dentro guardava. Percebeu que era sua gigantesca existência que mostrava sua encantadora essência.
Mago fala mais um pouco sobre a vida de cada ser e que é preciso olhar com cuidado para tudo perceber. Não basta olhar em volta ou pela superfície, tem que ir mais fundo na existência, porque se aqui estamos é por que precisamos compreender a nossa essência. E foi assim que Mago, que não era Mago em vão, deu a cada um, um pedaço da capa espelhada. Olharam bem o pequeno tecido que Mago ofertava. Mago, explica logo em seguida que o pedaço pode ser pequeno, mas, o valor da descoberta é que anuncia o verdadeiro tamanho.  Aquele pano de espelho, espelha vida e serve para os momentos em que é preciso que encontremos de novo com o nosso ser, aquele que todos temos, mas às vezes teima em se esconder.
E Mago avisa aos visitantes que agora terão que ir para os seus destinos poderem cumprir. Achando que àquele local pertenciam, se olharam intrigados. E Mago os coloca em uma outra página do livro dizendo que suas tarefas não eram fáceis mas essenciais para aquele lugar para onde estavam indo.
Sentido-se honrados e orgulhosos por terem compreendido sobre suas diferenças foram para um lugar, onde muitas outras diferenças encontrariam. Aquela página tinha uma esfera de cores vibrantes, azul, verde, marrom. Não pensaram duas vezes e mergulharam fundo. Descobriram que este lugar que encontraram se chamava Mundo.

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