quinta-feira, 22 de julho de 2010

Qual a verdade das palavras?

Qual a verdade das palavras?


(Profª PaTTi Cruz - Pedagoga Especial, Esp.Arteterapia,

Consultora de Desenvolvimento Humano e Criatividade

Docente do Curso de Pós Graduação Lato Sensu de Arteterapia - Centrarte/RS, Coord. Projeto CoNéctar – Educação Essencial, Contadora de Histórias )


“Escrevemos a partir daquilo que nossos olhos devoram

e nossa alma subjetiva através do tempo.

Nossa história é feita dos compassos,

atropelos, desacertos e construções.

Construir é revelar, registrar é deixar a marca

comprovada do que fomos e do que pretendemos

no futuro, ainda que este futuro esteja

submerso em nossos sonhos.”

PaTTi Cruz

De nada servem os dicionários se não soubermos dos sentimentos das palavras. De nada serve a leitura se não nos aprisionarmos no mundo que nos é oferecido, contido em cada página. De nada servem as palavras registradas se delas não salivam emoções de tempos que vivenciamos em cada movimento de letra esculpida. Para que nasçam as palavras e para que elas se agreguem em frases onde os sentidos são aguçados e se é capaz de ouvir o silêncio é preciso envolvimento e prazer no ato de construir, é preciso estabelecer intimidade com nossos desejos de querer revelar e dar significado as palavras e as coisas.

Todo conhecimento
da intimidade das coisas
é imediatamente um poema.
Gaston Bachelard

Há um trecho de uma crônica que talvez ilustre esta relação:

O Canteiro de Palavras

Nilson Souza

Na fila do banco dois homens conversam. Um deles, já bem mais marcado pela experiência do tempo: “_ Qual o seu ofício? Me pergunta com formalidade o simpático velhinho da fila do banco...Quase digo que sou jornalista, mas me policio porque conheço o poder inibidor de minha profissão. Vivo de escrever, respondo...Mas, meu interlocutor momentâneo não manifesta qualquer curiosidade sobre o gênero dos meus escritos...Está mais interessado em me mostrar suas mãos, dois conjuntos desarmônicos de calos e cicatrizes.

_ Sou cortador de pedras - me diz com indisfarçável orgulho de quem detém um dote raro. Antes que a fila ande, tenho tempo ainda de ouvir algumas explicações sobre a arte de tirar pedras de paralelepípedos da rocha bruta...Penso na fábula sobre a perseverança, escrita por Jacob Riis que tem como personagem exatamente um cortador de pedras. Diz mais ou menos o seguinte: Quando nada parece dar certo, eu observo o homem que corta pedras. Ele martela uma, duas, centenas de vezes, sem que uma só rachadura apareça. Porém, na centésima primeira martelada, a pedra se abre em duas. E eu sei que não foi aquela pancada que operou o milagre, mas todas as que vieram antes.

Pois escrever, me dou conta...não deixa de ser um processo semelhante. A gente martela centena de vezes até que brote do cérebro (ou do dicionário) a palavra adequada, talvez a única capaz de servir à construção literária planejada. Nem sempre se consegue. A não ser que o canteiro de letras tenha o talento daquele escultor de estátuas eqüestres que explicava com simplicidade como conseguia tal perfeição: _ ‘Eu pego a ferramenta e tiro da pedra tudo o que não seja cavalo’.

Escrever então, se torna mais do que uma ação de colocar palavras, simplesmente. É um ato de intimidade com elas, saber como e onde colocá-las é o que faz sentirmo-nos diferentes, com a sensação de termos atingido nosso objetivo expressivo. Como o velhinho da Crônica, sentimos um indisfarçável orgulho de quem detém um dote raro.

Temos a arte para que a verdade não nos destrua.

Nietzsche

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