sábado, 16 de julho de 2011

Diversidade x Exclusão?

Por PaTTi Cruz

Em nome da diversidade, estamos vivendo uma situação onde o mundo passou a ser um lugar de fragmentação social. A diversidade não deveria ter o significado que o meio reflete, embora seus sinônimos nos dicionários tenham relação direta com aquilo que é dessemelhante, contraditório ou oposto. O foco que supunha-se dar ao termo diversidade, é saber sim sobre as diferenças e compreender que ser diferente é algo comum e não ser alguém alheio ao mundo, apenas distinto dentro dele. Contudo, este ideal diverge do que vem ocorrendo. A força desta expressão tem levado o sistema em que estamos inseridos a criar novas esferas que comportem cada sujeito com suas verossimilhanças no mesmo contexto, como se este fosse o único espaço onde pudesse viver em consonância. O fato de ser diferente não justifica que outras esferas, outros meios sociais, devam ser criados, no sentido de acolher estas pessoas, pois se assim fosse, cada sujeito viveria em uma ilha, distante de outros seres, pois todos diferimos em algo, o que quer que seja e nem por isso temos que estar distantes, porque justamente nas diferenças nos complementamos.

Historicamente as diferenças sempre foram o pivô das maiores desavenças e destruição de lugares e pessoas. É pela simples discordância de opiniões, crenças, preferências que povos e nações deixaram de existir, que inúmeros países tiveram que recomeçar como fênix, renascendo das cinzas e que muitas famílias perderam seus filhos, pais e esposas. E a impermanência da vida harmônica em sociedade continua descortinando o véu que cai sobre as forças das divergências. Naturalmente que aquilo que é contrário a meus desejos e opiniões causa certo desconforto, mas até que este seja um motivo plausível para justificar meu anseio de repulsa a outro ser, ou meu desejo de desaparecimento deste, da face social, colocando-o à margem de todo um contexto, denota no mínimo que sou tão repulsivo quanto este outro, que a mim parece “estranho”, só pela existência de outra forma de perceber as coisas do mundo. O domínio de nossas emoções é de grande valia no que diz respeito ao acolhimento do que é dito ou pensado por pessoas com as quais convivemos, do que é manifestado por elas e de que forma agem sobre determinadas situações. Da mesma forma que queremos ser compreendidos em nossas ações, creio que deveríamos ao menos exercitar a mesma intensidade de compreensão.

Tratando-se das forças que nos movem no caminho das diferentes formas de ser em um contexto social, conjuga-se que a vida é feita de polaridades, tendo em vista não aquilo que está em outra extremidade e se opõe ao que penso, digo, faço e como sou enquanto ser humano, mas, fixando o olhar naquilo que pode me complementar, assim como os pólos de uma pilha que permitem o funcionamento do rádio que nos oferece a melodia harmônica. Ainda que eu seja diferente, posso “funcionar” harmonicamente, com ou outros tantos que são também diferentes. E, remetendo a lembrar do nosso meio mais próximo de “formação” enquanto seres de convivência, depois do núcleo familiar, ou quase que concomitante a ele, pois cada vez mais cedo as crianças chegam a este espaço, a escola é a grande mantenedora ou transformadora desta forma de perceber o mundo. Esta forma que alimenta as diferenças como essencial para a complementaridade ou nutre as diferenças como indicadores de oposição e fragmentação social.

É fato indiscutível que pelo estilo de vida que se leva neste meio social, onde somos constantemente requisitados ao trabalho, para uma melhor sustentabilidade dentro do processo vital, pais precisam colocar seus filhos cada vez mais cedo nas escolas. Nesta rotina atribulada, pouco conseguem um contato real, despreocupado, com a mente leve e totalmente voltada a seus filhos. Pouco conseguem se desvencilhar dos compromissos externos e direcionar outros e novos compromissos com o núcleo familiar. Normalmente, o tempo maior destinado aos afazeres são fora de casa. Isso tudo deixa o vínculo mais frágil e desestabiliza a estabilidade das relações. É claro que existir, subsistir no meio é necessário, assim como é necessário colocar-se integralmente, ser inteiro nos poucos momentos em que se está no centro familiar. São nestes momentos de entrega que é possível perceber aspectos importantes do desenvolvimento, que denotam, por vezes, uma atenção maior, principalmente junto as crianças. Uma série de problemáticas, vinculadas ao desenvolvimento da criança pode manifestar-se dentro de casa, em convivência com os pais, sem que seja percebida como fator de entrave no contexto educacional. Na escola, estas mesmas problemáticas se acentuam, na medida em que os alunos, estão em grupo e distinguem-se dos colegas por suas dificuldades. As reações que pode ter, por parte destas crianças são inúmeras. Algumas manifestam-se “tímidas”, retraídas, caladas sendo algumas vezes e na maioria delas, afastadas da convivência em sala de aula, ou no espaço do recreio. Assim, passam a não ter uma atenção voltada para a constatação da problemática, como também não têm adequação de propostas que pudesse estimulá-las ao crescimento pessoal em busca de uma solução. E, como conseqüência desta inadequação de ação por parte do corpo educacional, são crianças que passam a resistir na vida escolar sendo vistas como aluno-problema. Há circunstâncias em que alunos com dificuldades, independente da origem do problema, buscam uma forma de compensação para um ego danificado, sendo aqueles que salientam-se negativamente no grupo, sendo julgados como tendo pouca disponibilidade para a vida escolar. Aqueles que só querem saber da bagunça, transformando-se até, em líderes negativos dentro de um grupo. Estes alunos acabam por ser categorizados, estigmatizados, e com eles vêm toda a gama de outras dificuldades que possam existir no meio escolar, os quais a equipe educacional não consegue dar conta, pois está longe de ser um número irrelevante. O fato é que estas questões se agravam, avançam e transcendem o espaço destinado as primeiras formações do sujeito enquanto pertencente a um espaço social. Elas tomam proporções gigantescas, alastrando-se vida à fora e acompanhando aquele menino ou menina que estava na sala de aula e agora precisa ocupar seu espaço, ou melhor, conquistar seu espaço no mundo e manter sua sustentabilidade no meio.

É urgente a atenção que necessita ser construída na garantia de olhos que observem estas problemáticas, mentes que elaborem idéias e mãos que manobrem criativamente formas de acolher estes alunos, para que sintam-se parte do meio que deveria provê-los de segurança. Nesta suposta guerra dos opostos somos os dois pólos das pilhas que buscam a harmonização e compreensão em relação a diversidade, como sendo algo que nos complementa e não nos afasta. Para que não sejamos fênix, tendo que renascer das cinzas, nossos desejos devem ser alimentados pelas forças que convergem na intenção maior, não querendo contradizer a física, de estarmos no mesmo espaço (meio social), mas cada um tendo a oportunidade de conquistar seu lugar. Para que não sejamos fragmentos sociais e sim inteiros em nossa responsabilidade primeira, que é conosco mesmo e outrora no caminho que segue de nossa aliança com cidadania e o mundo. Somos sempre, desde a pré-história, seres em relação, necessitando uns dos outros para nos constituirmos enquanto indivíduos. De lá para cá nada mudou neste sentido, cada um na sua singularidade é que pode construir o espaço plural e coletivo. Mas, se as idéias que afastam aqueles que são diferentes permanecerem, como foi dito ao início, em nome da diversidade que deveria acolher, e ao contrário, exclui, há algo ainda que retornará como herança cruel dos nossos ancestrais pré-históricos: a postura de ereta, que olha adiante, voltará os olhos para os pés, quando ainda andavam com as mãos encostando no chão, olhando para baixo, percebendo quem sabe só a si mesmos, suas pegadas e suas presas.

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