quarta-feira, 20 de fevereiro de 2013

A Morte do Fogo


Por PaTTi Cruz 


Em uma aldeia onde só havia a luz do dia viviam seres de extraordinária beleza. Todos com muitas habilidades as quais se distribuíam nas tarefas do local para que toda ordem e sobrevivência fosse mantida.
Cada qual tinha um papel, uma função.
Havia aqueles que dominavam todas as cores do universo através do olhar e conseguiam trazê-las para ornamentar cada pedacinho da aldeia, colorindo da terra ao alto do céu.
Havia os que sabiam transformar os aromas em alimentos...Bastavam absorver do ar diferentes perfumes  da mata que envolvia a aldeia e os pratos e refeições aprontavam-se em um instante.
Ah, e havia os cantadores...estes filtravam em suas conchas de ouvir todos os sons do lugar, os mais sutis dos sons eram possíveis de serem captados por estes seres especiais. E, eis que novas canções embalavam a vida dali, que acontecia sempre serena.
Havia também a roda de fogo que aquecia as manhãs frias do lugar...as mulheres com vestes apropriadas para o ritual, buscavam nos braços do sol a quentura necessária para acender as fogueiras, tornando a aldeia muito aconchegante.
Assim, a vida seguia tranquila por mil dias e claridades, sem que uma nuvem ou qualquer traço de escuridão aparecesse para alterar aquela rotina.
Certa tarde...em que as crianças descobriam a beleza de novas flores surgiu da terra, a partir de uma pequena rachadura que ninguém notara, um pequeno arco contornado por uma película. As crianças afastaram-se por receio do desconhecido. Correram de volta ao centro da aldeia até que, brincando esqueceram-se do episódio.
Aquele dia era o que estava reservado para receber a chuva branca que energizava a aldeia e, assim aconteceu. A chuva branca caiu mansa como de costume...
Mas, aos poucos a aldeia começou a escurecer...um fenômeno jamais presenciado, visto que na aldeia era dia sempre!
Os habitantes ficaram assustados...ainda assim, foram investigar os fatos. Encontraram, saído da rachadura, o grande arco que com a chuva tomara maior forma e tamanho, encobrindo toda a extensão das terras do lugar. Sem compreender porque isso acontecia a sua aldeia, ficaram tristes, não conseguiam mais fazer suas tarefas, parecendo perder as habilidades, enfraquecendo com o passar do tempo, toda vez que o contrário do dia surgia, depois de um determinado tempo em que o dia corria.
E passaram a crer que o fenômeno era a morte do fogo, já que o sol desaparecia por completo dando lugar ao breu.
A vida, seguia na aldeia, agora não tão feliz!
Em um dos momentos em que o breu tomava conta do espaço, uma das aldeãs que esperava por um filho, começou a sentir sua chegada. Chamaram logo a Senhora do Parto, que com suas vestes destinadas ao ritual percorreu a brisa da escuridão.
Durante o ritual de passagem da pequena vida de dentro do corpo da mãe para o mundo de fora algo muito belo aconteceu. Mãe e filha iluminaram-se! Iluminaram-se tão intensamente que a claridade esparramou-se por todas as curvas e entradas da aldeia, uma luz tão forte que alcançou o espaço do céu!
O trabalho foi árduo em dor e afeto... a aldeã então, desfaleceu de cansaço no sonho. Ao acordar viu da porta o povo todo da aldeia que aguardava para vê-la e agradecer.

A chuva branca voltara a cair...e com ela o grande acontecimento. O arco da escuridão espalhara infinitas gotas da luz gerada por mãe e filha, resplandecendo uma nova claridade ao breu. Depois do espetáculo do nascimento e do breu constelado pelo arco, abriu-se no céu o espaço para o retorno do sol. A vida novamente amanhece!
A aldeia feliz em conceber  "Jassy-ara"  Jaciara – que no idioma da aldeia significa Tempo de luar  e, por receber a noite agraciada pelo breu e as gotas que iluminaram o céu, reúne-se em festa. A festa dura o infinito das horas da luz do sol e enquanto a chuva branca seguia caindo, o vento a levava para o final da curva do arco que proporcionou ao céu inúmeros outros arcos coloridos que a aldeia conheceu por arco-íris.
Assim, sol e lua, dia e noite conseguiram compartilhar do mesmo espaço em tempos diferentes para cada um fazer seu espetáculo. Os aldeões souberem que não havia a morte do fogo, mas o seu descanso para que no alto do céu a lua e estrelas pudessem também brilhar.

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