sábado, 1 de junho de 2013

ARGILA – VIDA EM ESSÊNCIA



Texto 1

ARGILA – VIDA EM ESSÊNCIA
(Texto elaborado por PaTTi Cruz)

“Há um caminho sagrado abaixo de nossos pés que se constrói na unidade entre mente, alma, corpo e o desejo de transformação. Desejo de agregar valores a tudo aquilo que somos e a necessidade de viver a mudança na roda do tempo.
Cada passo representa o novo, o desconhecido e nos lançamos nesta busca constante de equilíbrio vital”.
(PaTTi Cruz)

A Argila é composta de partículas de areia, terra, vida em tamanhos diversos que se agregam fortemente na trajetória do tempo. Sua formação contínua e ininterrupta encaminha nossos pensamentos a respeito deste material, para uma aproximação a nossa existência e nossa via de acesso em contato com o mundo. As argilas são minerais que formam o solo, nos dão sustentabilidade de permanência a partir do contato direto com sua estrutura que oferece passagem, percepção, caminho e revelação. Ao contatar com a argila é possível encontrar propriedades que alimentam nossa imaginação como a plasticidade, flexibilidade, maleabilidade, uma relação de afinidade com a água, o que torna o alcance de sua linguagem mais espontâneo, na medida em que a água penetra em seus pequenos poros, quase imperceptíveis, permitindo a expansividade de sua natureza e ao mesmo tempo sua coesão de sentidos.

A viscosidade que a argila nos oferece é a mesma com a qual nos apegamos à vida, em nossa necessidade de dar forma e sentido aos nossos ideais, sonhos e realizações, propondo a construção de algo concreto no centro da existência, que ora se apresenta frágil, parecendo que vai partir-se e que ora se transforma sólido, aglutinando-se na força que imprimimos numa permanência indelével.
É no calor de nosso corpo, no contato direto do toque que afaga que o, aparentemente, apático e frio barro, nos transfere sua energia enquanto para ele transferimos a nossa, em uma cumplicidade única, elevando a massa disforme a um conteúdo que manifesta e declara uma presença: a nossa presença.   

Sophia, personagem misterioso de um conto que revela o contato com o barro, nos leva a possivelmente entender a dimensão da nutrição da alma através da descoberta dos segredos mais ocultos do ser que se deixa seduzir pelas sensações da vida em sua essência terrosa.

Diz Sophia ao entremear-se em um conteúdo viscoso, úmido, desprovido de calor:

- “O ser é inteiro, infinito e pleno em sua construção. Molda-se à luz de sua própria percepção no reflexo do mundo.
 Em catarse e fúria, descobrindo em seu universo interno conteúdos ora sutis e leves, ora desgarrados ao longe, ora multifacetados e enigmáticos, ora muito, muito próximos da existência humana real.
 O conteúdo envolve e torna-me imagem, força, energia presente no espaço e tempo, a manifestação é constante e liberta o movimento da vida.
Neste embalo observo uma inquieta paisagem que se transforma aos meus olhos a cada segundo...Neste contexto sou água, ar, terra, fogo, grão e rocha, barro e vida que tudo transforma e eleva.
Se uma onda me toca, por exemplo, não levo em conta o mar, se ele é fundo, apenas o deixo passar na serenidade de suas espumas.
Se é no solo que misturo-me, sei que a raiz e a semente são as fontes de inspiração para enviar o alimento que nelas reina, nutre e sustenta a força da existência. Dele nasce a relação terra-homem, raiz-mulher e finalmente, Amor.
Há uma tensão mágica do existir e manter-se vivo...proliferar as inquietações em abundância de paz suave e ingênua.
Em lábios que beijam o chão, construindo na saliva e no pó a solidificação do que sonho, me encontro totalmente entregue, entre paradoxos e dilemas.
Quero ser eu mesma no outro ser que me habita, na natureza secreta do barro que é vida pura e simples”.

Assim é a massa disforme da argila em um contato que se inicia timidamente. Como relata Sophia, nesse seu encontro tão singelo e profundo, que tudo revela, silenciosamente. Ao barro se confere possibilidades, tudo dele pode surgir, manifestar-se, nascer. Ele propicia uma conexão com as expressões do inconsciente, onde o caminho que se estende é o de transformação. Ao contatar com o barro a fluidez do toque constrói e desconstrói inúmeras vezes, quantas sejam necessárias. Produz, e reproduz imagens dos nossos conteúdos internos e nos provoca a pensar a partir do aqui-e-agora, solicitando ações e reações.

A plasticidade do barro permite o manuseio livre das mãos sobre sua massa consistente, enquanto o corpo movimenta a energia que desperta da intimidade de quem o toca. E a argila fria, vai transformando sua temperatura conforme lhe oferecemos a nossa. Ao amassar, abrir, unir, construir e desconstruir, consentimos o nascimento de uma forma espontânea que se revela aos nossos olhos e se comunica com a nossa alma. Nesta elaboração as forças que nos movem são provenientes de conteúdos internos que se misturam a massa de argila. Nela estão contidos nossos sentimentos, sensações, história de vida, nossa percepção a respeito tudo que nos envolve. Neste instante em que a construção tem início não é possível mais dissociar quem é autor e quem é obra a ser modelada, apenas encontramos a oportunidade de dar vida e movimento à necessidade de expressão.

Como na roda do tempo, em nosso espaço de existir no mundo, nossos movimentos levam o sentido de nossa trajetória, algumas vezes são impressões leves, delicadas em lento acontecimento, outras vezes há uma sutil hesitação de transformar, mudar aquilo que foi iniciado. Apreensivos, tentamos... vemos possibilidades. Sem julgamentos prévios nos lançamos em movimentos mais rápidos, acelerados, por vezes brutos e agressivos. Batemos a massa, dividimo-as em duas ou mais partes, direcionados pelo ímpeto do fazer. Mas, a intenção é agregar, unir as forças e encaminhá-las a algo seguro. Arredondamos os movimentos harmonizando a circulação das energias sutis, acariciamos os pensamentos, acolhemos os sentimentos, serenamos a inquietação. Cada mudança neste entrelaçamento com a argila me revela, cada fenda e fragmento é uma parte de mim, de minha história.

Enquanto mantenho a massa úmida e tenra posso nela me colocar e colocar meu sentido de busca de mudança. Mas, quando nela não invisto mais, ou quando dela considero que o momento é definitivo, enrijece e torna-se um provável atroz de minhas chances de modificar, remover, deslocar o que não mais desejo. Ou, quem sabe na sabedoria de escolhas apoiadas pela certeza de minhas cobiças e anseios, concretizo o que quero e torno de fato concreta a massa. Deixo-a secar e a levo para queima de todas as emoções, intensificando sua força. Defino a forma e digo: “Eis (me) a obra!”. O barro não aprisiona, ao contrário, liberta, nos atinge precisamente da maneira que necessitamos!



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