Texto 1
ARGILA
– VIDA EM ESSÊNCIA
(Texto
elaborado por PaTTi Cruz)
“Há
um caminho sagrado abaixo de nossos pés que se constrói na unidade entre mente,
alma, corpo e o desejo de transformação. Desejo de agregar valores a tudo
aquilo que somos e a necessidade de viver a mudança na roda do tempo.
Cada
passo representa o novo, o desconhecido e nos lançamos nesta busca constante de
equilíbrio vital”.
(PaTTi Cruz)
A Argila é composta de
partículas de areia, terra, vida em tamanhos diversos que se agregam fortemente
na trajetória do tempo. Sua formação contínua e ininterrupta encaminha nossos
pensamentos a respeito deste material, para uma aproximação a nossa existência
e nossa via de acesso em contato com o mundo. As argilas são minerais que
formam o solo, nos dão sustentabilidade de permanência a partir do contato
direto com sua estrutura que oferece passagem, percepção, caminho e revelação. Ao
contatar com a argila é possível encontrar propriedades que alimentam nossa
imaginação como a plasticidade, flexibilidade, maleabilidade, uma relação de
afinidade com a água, o que torna o alcance de sua linguagem mais espontâneo,
na medida em que a água penetra em seus pequenos poros, quase imperceptíveis,
permitindo a expansividade de sua natureza e ao mesmo tempo sua coesão de
sentidos.
A viscosidade que a argila
nos oferece é a mesma com a qual nos apegamos à vida, em nossa necessidade de
dar forma e sentido aos nossos ideais, sonhos e realizações, propondo a
construção de algo concreto no centro da existência, que ora se apresenta
frágil, parecendo que vai partir-se e que ora se transforma sólido, aglutinando-se
na força que imprimimos numa permanência indelével.
É no calor de nosso corpo,
no contato direto do toque que afaga que o, aparentemente, apático e frio barro,
nos transfere sua energia enquanto para ele transferimos a nossa, em uma
cumplicidade única, elevando a massa disforme a um conteúdo que manifesta e
declara uma presença: a nossa presença.
Sophia, personagem misterioso de um conto
que revela o contato com o barro, nos leva a possivelmente entender a dimensão
da nutrição da alma através da descoberta dos segredos mais ocultos do ser que
se deixa seduzir pelas sensações da vida em sua essência terrosa.
Diz Sophia ao
entremear-se em um conteúdo viscoso, úmido, desprovido de calor:
- “O ser é inteiro, infinito e pleno em sua construção. Molda-se
à luz de sua própria percepção no reflexo do mundo.
Em catarse e fúria,
descobrindo em seu universo interno conteúdos ora sutis e leves, ora
desgarrados ao longe, ora multifacetados e enigmáticos, ora muito, muito
próximos da existência humana real.
O conteúdo envolve e torna-me
imagem, força, energia presente no espaço e tempo, a manifestação é constante e
liberta o movimento da vida.
Neste embalo observo uma inquieta paisagem que se transforma aos
meus olhos a cada segundo...Neste contexto sou água, ar, terra, fogo, grão e
rocha, barro e vida que tudo transforma e eleva.
Se uma onda me toca, por exemplo, não levo em conta o mar, se
ele é fundo, apenas o deixo passar na serenidade de suas espumas.
Se é no solo que misturo-me, sei que a raiz e a semente são as
fontes de inspiração para enviar o alimento que nelas reina, nutre e sustenta a
força da existência. Dele nasce a relação terra-homem, raiz-mulher e finalmente,
Amor.
Há uma tensão mágica do existir e manter-se vivo...proliferar as
inquietações em abundância de paz suave e ingênua.
Em lábios que beijam o chão, construindo na saliva e no pó a
solidificação do que sonho, me encontro totalmente entregue, entre paradoxos e
dilemas.
Quero ser eu mesma no outro ser que me habita, na natureza secreta
do barro que é vida pura e simples”.
Assim é a massa disforme
da argila em um contato que se inicia timidamente. Como relata Sophia, nesse seu encontro tão singelo e
profundo, que tudo revela, silenciosamente. Ao barro se confere possibilidades,
tudo dele pode surgir, manifestar-se, nascer. Ele propicia uma conexão com as
expressões do inconsciente, onde o caminho que se estende é o de transformação.
Ao contatar com o barro a fluidez do toque constrói e desconstrói inúmeras
vezes, quantas sejam necessárias. Produz, e reproduz imagens dos nossos
conteúdos internos e nos provoca a pensar a partir do aqui-e-agora, solicitando
ações e reações.
A plasticidade do barro
permite o manuseio livre das mãos sobre sua massa consistente, enquanto o corpo
movimenta a energia que desperta da intimidade de quem o toca. E a argila fria,
vai transformando sua temperatura conforme lhe oferecemos a nossa. Ao amassar,
abrir, unir, construir e desconstruir, consentimos o nascimento de uma forma
espontânea que se revela aos nossos olhos e se comunica com a nossa alma. Nesta
elaboração as forças que nos movem são provenientes de conteúdos internos que
se misturam a massa de argila. Nela estão contidos nossos sentimentos,
sensações, história de vida, nossa percepção a respeito tudo que nos envolve.
Neste instante em que a construção tem início não é possível mais dissociar
quem é autor e quem é obra a ser modelada, apenas encontramos a oportunidade de
dar vida e movimento à necessidade de expressão.
Como na roda do tempo, em
nosso espaço de existir no mundo, nossos movimentos levam o sentido de nossa
trajetória, algumas vezes são impressões leves, delicadas em lento
acontecimento, outras vezes há uma sutil hesitação de transformar, mudar aquilo
que foi iniciado. Apreensivos, tentamos... vemos possibilidades. Sem
julgamentos prévios nos lançamos em movimentos mais rápidos, acelerados, por
vezes brutos e agressivos. Batemos a massa, dividimo-as em duas ou mais partes,
direcionados pelo ímpeto do fazer. Mas, a intenção é agregar, unir as forças e
encaminhá-las a algo seguro. Arredondamos os movimentos harmonizando a
circulação das energias sutis, acariciamos os pensamentos, acolhemos os
sentimentos, serenamos a inquietação. Cada mudança neste entrelaçamento com a
argila me revela, cada fenda e fragmento é uma parte de mim, de minha história.
Enquanto mantenho a massa
úmida e tenra posso nela me colocar e colocar meu sentido de busca de mudança.
Mas, quando nela não invisto mais, ou quando dela considero que o momento é
definitivo, enrijece e torna-se um provável atroz de minhas chances de
modificar, remover, deslocar o que não mais desejo. Ou, quem sabe na sabedoria
de escolhas apoiadas pela certeza de minhas cobiças e anseios, concretizo o que
quero e torno de fato concreta a
massa. Deixo-a secar e a levo para queima de todas as emoções, intensificando
sua força. Defino a forma e digo: “Eis (me)
a obra!”. O barro não aprisiona, ao contrário, liberta, nos atinge precisamente
da maneira que necessitamos!
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