sábado, 1 de junho de 2013

Argila – Arte ou Magia?



Texto 2
Argila – Arte ou Magia?
(Elaborado por Jair Yanni )
Titular da cadeira 29 da Academia de Letras e Artes de Ribeirão Preto, escreve para jornais e revistas, tem livros editados, e é ativa participante de eventos literários e artísticos.
ALARP - Academia de Letras e Artes de Ribeirão Preto
(Produzido em Fevereiro de 2003)

A argila goza de uma propriedade quase mágica devido a sua plasticidade. “Não confundir a magia com bruxaria. Uma é criativa e erótica; outra repressiva e castradora. Uma é dos homens, trabalha o barro e a terra.. A outra é dos deuses; oficia a morte e seu inimigo é o bruxo.” Assim se expressava Jorge Fernandes Chitti, argentino, grande conhecedor, dos segredos do barro, engenheiro ceramista, sobretudo - poeta.
Graças a pratica manual da cerâmica, há seguros 15.000 anos, a consciência humana adquiriu suficiente desenvolvimento estético. Modelada úmida, facilmente pode conservar a forma, endurecendo-se ao fogo, convertendo-se em um material irreversível à água. Esta propriedade da argila fez dela a matéria básica da arte. e da industria cerâmica. Devido às suas condições plásticas a argila encoraja quem a manuseia. A arte propriamente dita, ou seja, o tratamento estético aparece primeiro na modelagem de pequenas figuras de argila, pedras, ossos, madeira, já no começo do paleolítico superior. Milênios mais tarde, muito depois do florescimento da arte pictórica das cavernas já no neolítico, é que começam a aparecer os primeiros vasos e as primeiras vasilhas como uma atitude típica das culturas sedentárias e agrárias das aldeias.
Que instinto teria levado o homem primitivo ou indígena a tomar o barro em suas mãos e modelar uma figura ou um vaso? Como descobriu que ao fogo ela se reverteria novamente em pedra? Talvez com a mesma inclinação que uma criança de uma vila da miséria qualquer sem nenhuma escolaridade, nos fundões do nordeste brasileiro, consegue surpreender-nos com sua riqueza de expressão quando tomando em suas mãos um pedaço de argila consegue transformá-lo em arte. Mecanismos inconscientes ou atavismos enxertados? O que nos leva a usar as mãos e propormos uma atividade prática? Cada dia é maior o número de pessoas que sentem a urgente necessidade de expressar-se através de uma arte manual, total, integradora da personalidade, que ponha em funcionamento todo o sistema nervoso e até muscular. A mesma atividade que tem tão remota historicidade, a argila, ainda cumpre a função integradora, multifacetada que assombra se enumerarmos suas conexões. Tem a ver com formas, cor, textura... quando associada ao fogo e à arte de queimar. No científico cerâmico está ligada com a mineralogia, à cristalografia à arqueologia e às ciências antropológicas Tem diretas conexões com a psicologia da arte e a terapia psicológica; com a história da arte como suporte para esculturas e murais e mesmo como arte final. Hoje com as queimas de altas temperaturas, as peças adquirem a resistência de um mármore ou ás vezes mais que eles. Com a indústria e o artesanato não há dúvidas tratar-se de uma arte ciência implicada em todos os ramos e aspectos da cultura humana Uma característica fundamental é que qualquer alta caloria depende do auxílio da cerâmica.e a argila é a sua matéria prima. Sem ela não haveria nem dentaduras nem foguetes. A propriedade que a argila tem de ser a matéria prima básica da arte e da indústria é tão envolvente que nos permite separá-la de suas imitações que mais significam um retrocesso que um avanço. A argila conserva “la nobleza de la tierra” como dizia o mestre J. F. Chiti.
Cerâmica é arte? Os gregos sabiam como!
A cerâmica e a história
Escrever a história universal da cerâmica significa não só esclarecer os aspectos técnicos e formais que acompanham o seu desenvolver ou a sua evolução, senão também o mais importante que é o poder arrancar dos fragmentos mudos de uma vasilha arqueológica todo o conteúdo humano que existe por trás dela em cada período de tempo ; para chegarmos a construir o mais aproximadamente possível o mosaico que forma a vida mental e cultural dos verdadeiros ceramistas durante o seu trabalho. - É um panorama histórico apaixonante. Vemos o homem primitivo manifestar-se numa tosca figurinha de argila, sem queima, nos fins do paleolítico, colocando em evidência a instabilidade e a insegurança do seu espírito imbuído de uma mentalidade mítica sumamente ativa. 0 homem construindo-se a si mesmo através da historia.
A mão, o trabalho, a arte, surgem desde o primeiro momento como o motor para plasmar a mente e o corpo em seus primeiros passos. Como cultura levam os fios condutores para determinar o homem posterior.
O homo faber

O homem que trabalha com as mãos, o homem que se agarra ao mundo para construí-lo e construir-se simultaneamente num intento salvador e que por fim o separa do modesto nível dos símios superiores. A cerâmica é a mais antiga das artes A matriz e o crisol da história da arte num processo que sai da terra - água - fogo e função para que a mão humana e a atividade dos materiais resultem primeiro na surpresa, depois na magia da arte - tão distante da bruxaria dualista que é a sua antípoda.

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