Texto 2
Argila –
Arte ou Magia?
(Elaborado por Jair Yanni )
(Elaborado por Jair Yanni )
Titular da cadeira 29 da
Academia de Letras e Artes de Ribeirão Preto, escreve para jornais e revistas,
tem livros editados, e é ativa participante de eventos literários e artísticos.
ALARP - Academia de Letras e Artes de Ribeirão Preto
ALARP - Academia de Letras e Artes de Ribeirão Preto
(Produzido em Fevereiro de 2003)
A argila goza de uma propriedade quase
mágica devido a sua plasticidade. “Não confundir a magia com bruxaria. Uma é
criativa e erótica; outra repressiva e castradora. Uma é dos homens, trabalha o
barro e a terra.. A outra é dos deuses; oficia a morte e seu inimigo é o
bruxo.” Assim se expressava Jorge Fernandes Chitti, argentino, grande
conhecedor, dos segredos do barro, engenheiro ceramista, sobretudo - poeta.
Graças a pratica manual da cerâmica,
há seguros 15.000 anos, a consciência humana adquiriu suficiente
desenvolvimento estético. Modelada úmida, facilmente pode conservar a forma,
endurecendo-se ao fogo, convertendo-se em um material irreversível à água. Esta
propriedade da argila fez dela a matéria básica da arte. e da industria
cerâmica. Devido às suas condições plásticas a argila encoraja quem a manuseia.
A arte propriamente dita, ou seja, o tratamento estético aparece primeiro na
modelagem de pequenas figuras de argila, pedras, ossos, madeira, já no começo
do paleolítico superior. Milênios mais tarde, muito depois do florescimento da
arte pictórica das cavernas já no neolítico, é que começam a aparecer os
primeiros vasos e as primeiras vasilhas como uma atitude típica das culturas
sedentárias e agrárias das aldeias.
Que instinto teria levado o homem
primitivo ou indígena a tomar o barro em suas mãos e modelar uma figura ou um
vaso? Como descobriu que ao fogo ela se reverteria novamente em pedra? Talvez
com a mesma inclinação que uma criança de uma vila da miséria qualquer sem
nenhuma escolaridade, nos fundões do nordeste brasileiro, consegue
surpreender-nos com sua riqueza de expressão quando tomando em suas mãos um
pedaço de argila consegue transformá-lo em arte. Mecanismos inconscientes ou
atavismos enxertados? O que nos leva a usar as mãos e propormos uma atividade
prática? Cada dia é maior o número de pessoas que sentem a urgente necessidade
de expressar-se através de uma arte manual, total, integradora da
personalidade, que ponha em funcionamento todo o sistema nervoso e até
muscular. A mesma atividade que tem tão remota historicidade, a argila, ainda
cumpre a função integradora, multifacetada que assombra se enumerarmos suas
conexões. Tem a ver com formas, cor, textura... quando associada ao fogo e à
arte de queimar. No científico cerâmico está ligada com a mineralogia, à
cristalografia à arqueologia e às ciências antropológicas Tem diretas conexões
com a psicologia da arte e a terapia psicológica; com a história da arte como
suporte para esculturas e murais e mesmo como arte final. Hoje com as queimas
de altas temperaturas, as peças adquirem a resistência de um mármore ou ás
vezes mais que eles. Com a indústria e o artesanato não há dúvidas tratar-se de
uma arte ciência implicada em todos os ramos e aspectos da cultura humana Uma
característica fundamental é que qualquer alta caloria depende do auxílio da
cerâmica.e a argila é a sua matéria prima. Sem ela não haveria nem dentaduras
nem foguetes. A propriedade que a argila tem de ser a matéria prima básica da
arte e da indústria é tão envolvente que nos permite separá-la de suas
imitações que mais significam um retrocesso que um avanço. A argila conserva “la
nobleza de la tierra” como dizia o mestre J. F. Chiti.
Cerâmica é arte? Os gregos sabiam
como!
A
cerâmica e a história
Escrever a história universal da
cerâmica significa não só esclarecer os aspectos técnicos e formais que
acompanham o seu desenvolver ou a sua evolução, senão também o mais importante
que é o poder arrancar dos fragmentos mudos de uma vasilha arqueológica todo o
conteúdo humano que existe por trás dela em cada período de tempo ; para
chegarmos a construir o mais aproximadamente possível o mosaico que forma a
vida mental e cultural dos verdadeiros ceramistas durante o seu trabalho. - É
um panorama histórico apaixonante. Vemos o homem primitivo manifestar-se numa
tosca figurinha de argila, sem queima, nos fins do paleolítico, colocando em evidência
a instabilidade e a insegurança do seu espírito imbuído de uma mentalidade
mítica sumamente ativa. 0 homem construindo-se a si mesmo através da historia.
A mão, o trabalho, a arte, surgem
desde o primeiro momento como o motor para plasmar a mente e o corpo em seus
primeiros passos. Como cultura levam os fios condutores para determinar o homem
posterior.
O
homo faber
O homem que trabalha com as mãos, o
homem que se agarra ao mundo para construí-lo e construir-se simultaneamente
num intento salvador e que por fim o separa do modesto nível dos símios
superiores. A cerâmica é a mais antiga das artes A matriz e o crisol da
história da arte num processo que sai da terra - água - fogo e função para que
a mão humana e a atividade dos materiais resultem primeiro na surpresa, depois
na magia da arte - tão distante da bruxaria dualista que é a sua antípoda.
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