(Por PaTTi)
Costumava subir no seu galho mais alto e mais largo, lá de cima ficava a observar todos aqueles garotos que iam para a escola no mesmo horário que eu também deveria estar indo. Eu realmente não entendia porque alguns faziam isto se não gostavam. Eu, por exemplo, não gostava e não ia.
Quando chegava a entrega de notas eu ficava de castigo uma semana sem sair de casa. Mas, a janela do meu quarto não era muito alta e eu pulava.
Aquele jardim sabia de tudo sobre mim. Ele era meu confidente e aquela Figueira era o navio que eu comandava. Escalava até o seu topo e de lá avistava a tudo e a todos sem ser visto ou incomodado. Só Clóvis, um amigo de infância conhecia meu segredo. Ele eu deixava subir no navio e compartilhar das viagens.
Quando completei 16 anos, enfim terminei o ginasial, e não sabia o que ia seguir. Engraçado, eu na verdade não queria seguir nada, o destino que me levasse. Continuava sempre navegando, mas o galho mais alto e largo agora parecia que ficara menor...Clóvis já não subia mais. E quando eu reclamava do galho e perguntava porque ele não subia, dizia lá do solo:
- Ora deixe disso, não vê que já sou um homem quase feito, não vou subir aí. E este galho não diminuiu, foram seus olhos que cresceram!
Mas, eu não pensava assim. Aquele navio não podia envelhecer, ele não podia parar de dar frutos, pois eu ouvia o pai falando que árvore velha suja mais o quintal que qualquer outra e só atrapalha. Imaginava o dia que um machado impiedoso a derrubaria, mas, só não imaginava o que ia seguir.
Clóvis foi embora da cidade, foi prestar exames para uma escola profissionalizante. Todos os outros também se foram. Eu, continuava navegando e continuava ouvindo o pai falar:
- Guri, tu vais é ser doutor! O melhor doutor da cidade!
Lembro-me também, como se fosse hoje o dia em que o pai arranjou uns homens para derrubar o navio. Na verdade seus galhos estavam fracos, mas aquela Figueira era a minha infância. Tudo o que vivi estava registrado em cada uma de suas folhas, em cada marca de seu tronco. Parece que a Figueira estava mancomunada comigo, arrecadou todas as suas forças para agüentar o meu peso.
Subi nos seus galhos fracos e disse que ninguém derrubaria o meu navio. O pai me prometeu uma surra. A mãe disse que eu ficaria um mês de castigo, mas não desci.
Semanas mais tarde, o pai me deu uma lista de compras para eu ir à cidade trazer. Fui. Acho que no fundo eu já sabia do que se tratava, sabia que não tinha jeito, um dia ela partiria e acho que sabia que só seguiria um rumo diferente se ela partisse. Era ela quem me prendia ali.
Quando voltei para casa, no final da tarde, lá estava o acontecido: o lugar dela estava vazio. Para mim era como se todo o quintal estivesse morto. O pai não falou nada, nenhuma palavra. A mãe não me olhava nos olhos. Fui para o meu quarto e fiquei na janela imaginando o meu navio que já não se encontrava mais ali. No seu lugar, só restaram meus pensamentos de menino.
Chorei uma semana e quase uma semana nada comi, o pai ameaçou me bater, mas mesmo assim não comi e o pai também não bateu.
Os anos passaram. Fui embora da cidade, fui ser doutor, fiz dinheiro. E com o dinheiro fiz uma casa. Uma casa com um quintal enorme e no centro dele uma Figueira.
Meu filho não ligou para ela, meus netos também não, apenas eu. Ela não era como a outra, é claro.
Cada uma tinha um significado diferente. A primeira fez parte da minha infância e esta agora contava comigo os meus últimos anos de vida. Mas, as duas tinham também coisas em comum: ambas eu amava muito e ambas sabiam tudo sobre mim. Todos os meus segredos, até os que eu próprio desconhecia.
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